O "Estádio" da Cultura


O deficiente parque cultural em Cabo Verde tem suscitado a critica severa de criadores e produtores, que reclamam não haver no País infra-estruturas suficientes. Há menos de dois meses da realização - em Cabo Verde - do Encontro Internacional de Turismo, o Presidente da UNOTUR, veio, esta “Quarta a Noite” (Programa da RCV), queixar-se da inexistência de infra-estruturas e politicas culturais que promovam o desenvolvimento integrado do turismo. Gualberto do Rosário lamenta que, por exemplo, as ilhas do Sal e da Boavista não tenham salas para a realização de ventos culturais.

Os destinos turísticos mais procurados não dispõem de espaços capazes para a promoção cultural, principalmente para grandes espectáculos. Tem sido, quase que exclusivamente, nos hotéis que o turista interage com cultura cabo-verdiana; das artes, nomeadamente da música.

Sendo que sem infra-estruturas culturais dignas fica difícil a elaboração e execução de um roteiro cultural, Gualberto do Rosário apontou no debate desta quarta-feira, 07, o que falta para que a Cultura seja factor de desenvolvimento turístico e o turismo contribua para o desenvolvimento cultural.

Mais: o fraco aproveitamento das potencialidades culturais e artísticas de Cabo Verde leva o presidente da Câmara de Turismo, UNOTUR, a sugerir as autoridades que, face a esta dura realidade, os pequenos empresários devem ser financiados para entrarem nesse mercado, ainda incipiente.

Outrossim, Gualberto do Rosário vinca que há lacunas que desmotivam qualquer projecto na área da promoção cultural. E a ausência de infra-estruturas é uma dessas lacunas.

O discurso do antigo primeiro-ministro, Gualberto do Rosário, é reforçado por João Branco. Este activista cultural mindelense tem batido para a edificação em São Vicente duma sala de espectáculos. Tal como Gualberto do Rosário, João Branco, importa que Boavista e Sal estejam despidas de infra-estruturas culturais.

O Parque Cultural em Cabo Verde sempre foi questionado pelos criadores e produtores. Sempre constou dos programas de Governo a construção de infra-estruturas para a Cultura. Nem sempre o Orçamento de Estado respondeu aos anseios das autoridades e da comunidade artística.

Em todo os municípios do País – em todos – é notória a insuficiência de espaços para práticas culturais. A realidade recomendou, desde há décadas, o levantamento de infra-estruturas culturais. Porém só na década de 90, Cabo Verde viria a acordar para a importância económica da Cultura. Foram mandados recuperar alguns edifícios, que agora funcionam como Centros Culturais.

O Auditório Nacional Jorge Barbosa, na Cidade da Praia, e a Biblioteca Nacional terão sido as únicas infra-estruturas projectadas e erguidas de raiz para a Cultura. Esta questão das infra-estruturas em Cabo Verde sempre marcou a agenda política e cultural. Trata-se dum assunto que acaba por questionar as politicas culturais dos sucessivos governos. O que se nota, neste momento, é a prioridade em se reabilitar e/ou recuperar o património construído.

Há projectos e anúncios de edificação de infra-estruturas de raiz, sem que esses mesmos projectos passem a prática. Enquanto se assiste, com pompa e circunstancia, a inauguração de estádios de futebol em todo o País – não há memória recente da inauguração de uma sala de espectáculos.






Salvagurada do Património


As actividades, no âmbito do Dia Nacional da Cultura, arrancam hoje, 07, e prolongam-se por todo este Outubro.Sob o signo da tradição, vários departamentos culturais programaram actividades específicas na maioria do território nacional.



É assim que uma delegação técnica do Instituto de Investigação e Património Culturais, IIPC, chegou na manhã desta quarta-feira, 7, a Vila da Ribeira Brava. Liderada pelo Presidente do Instituto, a delegação tem como objectivo acertar com as autoridades locais da Ribeira Brava o projecto de reabilitação do antigo Orfanato de Caleijão.

Na prática: o ex-orfanato em Caleijão é um monumento cujo projecto de reabilitação nunca arrancou . Agora é Carlos Carvalho, o presidente do Instituto de Investigação e Património Culturais a tomar para si a recuperação deste que é considerado um dos mais valiosos patrimónios edificados na Ribeira Brava:

"A missão tem, em São Nicolau, encontros com o edil Américo Nascimento e o vereador pela Cultura. Da Câmara de Ribeira Brava espera sair com os necessários acertos burocráticos para o início do projecto. As obras arrancam este mês. Em dinheiro estão garantidos 40 mil contos", Carlos Carvalho, presidente do IIPC. .

Incluído, ainda, no programa do IIPC para a marcação do Dia Nacional da Cultura lê-se que, finalmente, as obras de recuperação da Capitania Velha, em São Vicente, têm inicio, também, neste Outubro.

O projecto para a Réplica da Torre de Belém em Mindelo vinha dando práqui e acolá. Agora - e depois de posta de parte a ideia do Oceanário do Mindelo -, o novo projecto tem dias para sair do papel. Aliás, o orçamento de aproximadamente 30 mil contos, está financiado.

O programa do Instituto de Investigação e Património Culturais resume as áreas em que actua: investigação e património. Na Cidade Velha estão agendadas actividades envolvendo jovens investigadores, alunos do EBI e do Secundário, bem assim, inaugurações, como por exemplo, a iluminação pública deste Sitio Património Mundial pelo UNESCO, Fundo das Nações Unidas a Educação, Ciência e Cultura, deste 26 de Junho deste 2009.

O Governo pretende, com a comemoração do Dia Nacional da Cultura, realizar uma agenda cultural que sirva de modelo para os próximos meses. O ministro Manuel Veiga vai percorrer algumas infra-estruturas culturais, visitar artistas e traçar à Imprensa os projectos para, pelo menos, até Dezembro.

A programa nacional de celebração do 18 de Outubro está a ser ultimado. As directivas são que este mês seja de tradição cabo-verdiana.



PRODUÇÃO,  RCV


VEIGA REGRESSA COM ODJU D'AGU


O romance Odju d’Agu - da autoria de Manuel Veiga - é reeditado pela Biblioteca Nacional e relançado, este mês, na Cidade da Praia. O livro – escrito em crioulo cabo-verdiano – foi reescrito por Manuel Veiga, agora tendo como ferramenta o Alfabeto Cabo-verdiano.


22 anos após a primeira edição, o novo Odju d’Agu traz uma nova ortografia, por Manuel Veiga ter adoptado o Alfabeto Cabo-verdiano na escrita do romance. Veiga é um dos defensores do crioulo cabo-verdiano, assunto que, por um lado, lhe tem merecido críticas dalguns quadrantes , descontentes com a forma como o processo vem sendo conduzido.

O linguista, entretanto, tem procurado justificar a tese do Alfabeto Cabo-verdiano, ferramenta linguística que tem merecido, por outro lado, crítica positiva de cientistas sociais. Os testemunhos recolhidos, o ano passado na Praia, por altura da reunião sobre o então Alfabeto Unificado para a Escrita do Crioulo, não deixam dúvidas: o Alfabeto tem defensores.

Contudo – e muito importante, questões de fórum técnico e cientifico têm sido abordadas amiúde nas crónicas sobre a Oficialização do Alfabeto e Língua Cabo-verdianos. Todavia, é notória uma certa dose de regionalismo, quando não muito, de um certo bairrismo na abordagem ao assunto.

Certo, certo é que o livro de Manuel Veiga poderá ter resposta à algumas das questões em cima da mesa, porquanto sendo ele linguista, escritor e ministro da Cultura, poderá melhor provar como pretende levar os cépticos a compreenderem a sua argumentação.

Odju D’agu foi lançado pela primeira vez em 1987. Naltura não existia o ALUPEC. Agora com o Alfabeto Cabo-verdiano, aprovado e feito lei, Manuel Veiga dá ao público um romance formatado e cozinhado no fervor da oficialização da língua materna. O livro vai ser lançado este mês, no âmbito do programa comemorativo do Dia Nacional da Cultura (18 de Outubro), em tributo a Eugénio Tavares, um dos principais cultores da língua cabo-verdiana.

Afora o relançamento de Odju d’Agu, pouco ainda se sabe sobre a agenda das celebrações do Dia Nacional da Cultura. Este ano a efeméride é comemorada na Cidade de Assomada, embora haja previsão de actividades em quase todos os municípios. Sob o signo da tradição vai ser celebrada esta data mandada instituir pelo Parlamento.



... EMITIDO NA RCV


Cultura e Turismo


Jovens da Ribeira Grande de Santiago frequentam, na Cidade da Praia, até meados deste mês um curso de Guias Turísticos. Há aproximadamente quatro meses os 18 jovens oriundos de várias zonas da Ribeira Grande de Santiago começaram a formação em línguas estrangeiras e outras áreas de conhecimento, necessárias a um bom desempenho dum guia turístico.

Agora recebem aulas de Cultura, nas instalações do Instituto de Investigação e Património Culturais, IIIPC, que se associou ao Projecto do Instituto de Emprego e Formação Profissional, IEFP, e da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santiago.


Os módulos são dados pelos técnicos do IIPC. A museóloga Maria Eugenia Alves em Museologia, o arqueólogo Hamilton Jair Fernandes em Turismo Cultural, o historiador Ilídio Baleno dá as aulas de História, e a linguista Adelaide Monteiro está em tradições orais, enquanto que a parte de Politicas culturais é ministrada por Deborah Santos.

Depois de formados, os jovens – futuros guias turísticos - vão ao mercado procurar emprego. A intenção das autoridades da Cidade Velha e do Governo é que estes 18 jovens preencham a lacuna a esse nível na Ribeira Grande de Santiago.

FONTE: RCV - CULTURA



O livro cabo-verdiano vai estar presente na Feira do Livro de Brasília, a decorrer na Capital brasileira, na segunda quinzena deste mês – de 16 à 25. Para além da literatura cabo-verdiana, as autoridades culturais decidiram incluir, também, conferências sobre a Cultura Nacional.


Pela primeira vez os cabo-verdianos vêem-se representados na Feira do Livro de Brasília, certame anual que reúne obras de vários países, e tido pelos leitores e académicos como uma das mais bem organizadas e concorridas Feiras do Livro da América Latina.

Embora já vá na vigésima-oitava edição, só agora Cabo Verde é convidado a estar presente.

A frente desta missão cultural ao Brasil está o Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro. Joaquim Morais – o presidente desta instituição – visitou a Feira de Brasília no ano passado.

Dessa experiência se deve o convite a Cabo Verde. Assim, de 16 a 25 deste Outubro, em Brasília, o País - vencedor do Prémio Camões deste ano - diz-se presente.

Do acervo a embarcar para Brasília contam-se livros de vários autores, obras publicadas em Cabo Verde ou de escritores nacionais editados no estrangeiro.

O Presidente do Instituto da Biblioteca Nacional, Joaquim Morais, aposta na internacionalização do livro cabo-verdiano, missão facilitada pelos prémios com que autores cabo-verdianos têm sido distinguidos.

Afora a participação em certames culturais no estrangeiro, a pretendida internacionalização da literatura cabo-verdiana assenta, ainda, na tradução de obras nacionais para línguas estrangeiras. Neste sentido há experiências de sucesso, principalmente de iniciativas privadas.

Na Capital brasileira, a delegação cabo-verdiana espera estabelecer compromissos com livreiros e distribuidores, que podem ampliar oportunidades de edição, e fomentar as trocas culturais:

O stand de Cabo Verde, além de promover a exposição de obras literárias nacionais dos mais variados segmentos, vai realizar outras actividades culturais, nomeadamente palestras com os escritores Filinto Elísio e Dany Spínola, e um concerto com Tó Alves. A apresentação dos novos livros de Spínola e Filinto faz, igualmente, parte da agenda da delegação cabo-verdiana.

De 16 à 25 deste mês, a Feira do Livro de Brasília homenageia os 50 anos do Estado, na condição de Capital Federal.

Ao Brasil desembarca mais uma comitiva cultural cabo-verdiano, um acto que vem multiplicar as iniciativas no quadro do intercâmbio cultural entre os Praia e Brasília. Recordo que o embaixador de Cabo Verde no Brasil, Daniel Pereira, tem lançado uma ofensiva cultural em vários Estados Brasileiros e conta-se, ainda, a participação de criadores e produtores nacionais em vários certames desde o Cinema, as Artes Plásticas, o Teatro, a Literatura passando por Conferências.


Vasco Martins - “Manuel de Novas era suficientemente suficiente”



Pela ciência do musicólogo Vasco Martins, percorremos, na RCV, a obra do malogrado trovador Manuel de Novas (Santo Antão, 1938 – Mindelo 2009). Vasco Martins privou várias vezes com o autor de “Biografia Dum Crioulo”, tendo-o entrevistado para o seu livro “A Morna”, publicado na década de 1990. Eram amigos e debatiam algumas vezes sobre a música cabo-verdiana. Uma semana depois da morte de Manuel de Novas, a Rádio de Cabo Verde prestou-lhe homenagem tendo sido Vasco Martins um dos convidados. A partir da sua residência em São Vicente, o músico contou, em entrevista, como conheceu o trovador, cuja obra considera ser um percurso pela história recente de Cabo Verde.


Por Elisângelo Ramos*: - Vasco Martins o que fica de Manuel de Novas?


Vasco Martins: - Fica a memória que todos conhecemos. Depois do seu desaparecimento deste lado do Universo, fica, para já esta memória que conhecemos, a dum homem com um coração muito grande. Fica a memória de um homem na verdadeira acepção da palavra. Fica, ainda, a belíssima música que escreveu.

Elisângelo Ramos: - Como o conheceu?

Lembro-me de ter vindo de férias a Cabo Verde. Apenas conhecia a música do Manel. Lembro-me de o ter encontrado na Praça Estrela, em São Vicente, durante um dos bailes que se realizavam no então recinto. Abraçou-me e disse-me que estava atento a minha música. Isso foi em 1976. A primeira ideia que me fica do Manel é que ele era um homem curioso e bastante consciente do valor que tinha. N’altura da recolha para o meu livro, o Manel me ajudou não só em relação à música cabo-verdiana mas e também dos contactos. A nossa amizade começou assim.

Elisângelo Ramos: - O que mais o atraía nele?

Vasco Martins: - Lembro-me de - na década de 80 (1988/89) - ter assistido a um ensaio do Bana em que Manuel de Novas explicava-lhe algo sobre a música que ia ser interpretada. Fiquei admirado pela forma como o compositor transmitia, via oral, ao intérprete Bana a música que ia ser cantada, não tendo ele Manuel de Novas conhecimentos de pauta e estas coisas.

Elisângelo Ramos: - Diz ser Manel um músico singular. Porquê?

Vasco Martins: - O Manuel é uma espécie de continuador da escola de B.Leza. Aliás ele conheceu B.Leza. Sendo um continuador da escola de B.Leza – (escola do meio-tom) – há o caminho do B.Leza em sua obra. As suas influências eram, diga-se, não só de Cabo Verde mas também das várias paragens por onde passou. O Manuel sendo marinheiro pode-se ver que no jogo de acordes era um homem viajado. A sua morna é singular. É com a tradição oral que ele consegue uma morna singular, porque não dominava a técnica científica da música. A morna de Manel é pois singular, na letra e nos acordes. Ele era suficientemente suficiente.

*Jornalista

JUSTINO DELGADO: "”Sou um músico de intervenção social e politica”


JUSTINO DELGADO, em Cabo Verde


"Sou um músico de intervenção social e politica"






Cabo Verde é um destino sempre aprazível para Justino Delgado. Do país sempre leva a paz. Infelizmente “não posso estar lá todos os dias”. Chega a Capital cabo-verdiana poucos dias antes do concerto de Sábado, 03 de Outubro, no Auditório Nacional Jorge Barbosa, a convite da Comunidade Guineense na Cidade da Praia. Lamenta não poder trazer consigo a banda que sempre o acompanha. Mas, aliviado: “os gajos de Cabo Verde são bons. Vou ser acompanhado por grandes músicos”, alegra-se.



Nesta entrevista ao terraactiva.blogspot.com, a partir de Bissau, o músico - que regressou a terra natal para participar da recente campanha para a eleição do novo Presidente da Republica da Guiné-Bissau – aponta os caminhos para o desenvolvimento das artes e cultura guineenses. Mas lá vai avisando: “a minha participação na campanha eleitoral é para o desenvolvimento do meu País”.


Por Elisângelo Ramos*




Elisângelo Ramos (E.R.): - Porque motivo se empenhou tanto na campanha às presidenciais na Guiné-Bissau?



Justino Delgado (J.D.): - A campanha eleitoral fez-me abster da carreira por longos dias. Fui um interveniente directo. Fui, diria, o principal interveniente cultural na campanha do candidato vencedor. Minha participação em qualquer campanha ajuda – sem vaidade – voltar qualquer resultado. Considero-me, sem dúvida, uma esperança de paz, para a Guiné-Bissau, África e para o Mundo. Quero ajudar meu povo a encontrar a paz tão necessária. Apoiei Malam Bacai Sanhá, e espero ver Guiné-Bissau a avançar. Todos sabem que sou por um mundo onde se possa respirar paz. Sou músico comprometido. Assumo plenamente a minha militância social.



E.R.: - Agora que a situação na Guiné-Bissau aparenta ser de normalidade democrática e paz social, como pensa retomar aos palcos e aos estúdios?



J.D.: Regresso em alta velocidade. Gravei já a maior parte das músicas do meu próximo álbum. Está a ser ultimado em Paris, França, aonde devo deslocar-me, em breve, para concluir o trabalho. Tenho estado a trabalhar em vários projectos. Depois do disco - que está quase pronto – minhas atenções centram-se numa colectânea dos meus vídeos. Afora isso estou, também, a fomentar um grupo de dança, composto por jovens que mais tarde farão parte da minha companhia de dança. Quero ter um corpo de bailarinos para me acompanhar. Referindo-se, ainda, a música tenho em carteira um disco acústico que estou a preparar para ser gravado em Dakar, Senegal. Tenho uma forte ligação com Senegal. Pretendo fazer a ponte entre França, Senegal e Guiné-Bissau. Meus projectos são sempre pensados neste triângulo. Outros mercados como Cabo Verde, os restantes países africanos de língua portuguesa assim como Portugal me dizem muito na programação e no destino do meu trabalho. Estou complementado pela cultura francófona e pela lusófona. Por este andar vê que meus caminhos são bastante diversos. É esta diversidade que procuro transmitir no meu pensar e na música que produzo.



E.R.: O nome de Justino Delgado inscreve-se, perfeitamente, no conceito de World Music. Como tem procurado aperfeiçoar esta música do mundo que diz ser um dos criadores?



J.D.: - A música não tem fronteiras. A minha depende da realidade em que me encontro e veja que estou no mundo. A minha é, pois, universal. Não tenho rótulos embora seja o meu País a minha principal fonte. Mais: conhecendo a História da Guiné-Bissau seria presunção dizer que minha música é deste ou daquele quadrante.



E.R.: Até que ponto esta sua fonte (Guiné-Bissau) é alimentada de outras fluentes musicais?



J.D.: Volto a dizer: a música é transfronteiriça. Depende da realidade de cada país e de como isso revela no nosso sangue e de como transportamo-lo para a nossa pele. Tenho grandes expectativas sempre que vou a Cabo Verde. Gosto muito e respeitam-me. Isso é prova de que a música dispensa passaportes.

E.R.: Então como explica a sua actividade em prol da valorização dos géneros tradicionais da Guiné-Bissau?



J.D.: A música é uma matéria só. Minha música, assim como a de outros músicos que partilham os acordes que persigo, é concebida numa perspectiva antropológica e cultural. Veja que em toda a minha criação bebo do que me foi legado. Nada mais natural que eu – agora – procure estudar esta herança e transmiti-la.

E.R.: Neste momento da carreira tem conseguido ter voz decisiva no seu projecto?



J.D.: Sou mentor do meu próprio projecto e ajudado por duas equipas de produção. Meu produtor é senegalês e trabalho com meus amigos de Bissau. Estamos muito próximos do Senegal e é uma experiência que me dá muita satisfação. As experiências francesa e senegalesa nos servem muito. Fazemos fronteira com o Senegal e a cultura Senegalesa acaba por desaguar em nós. Tenho vivido em França – onde tenho residência artística - e acabo de regressar de Portugal - onde sinto que se respira muito a música Africana vou a Cabo Verde. Por isso me sinto a vontade para cantar Justino Delgado.

E.R.: - E a na Guiné-Bissau pressentes que está a valer a pena a tua militância social e a tua intervenção politica?



Há paz. Mas Julgo que a Guiné-Bissau tem na Cultura um caminho para o seu levantamento económico e afirmação cultural. Falta, é certo, incentivos que hão de começar pelo apoio aos criadores. Em termos legislativos poder-se-á criar mecanismos de incentivo a produção. A música na Guiné-Bissau está ao nível dos restantes PALOP. Está de boa saúde e sentida em quase todo o mundo. O que falta é a sua condição de produto cultural e económico. É isto: falta tudo e temos a esperança de que doravante tudo comece a ser feito. Os músicos guineenses esperam que condições sejam criadas para que trabalhem na terra. Estou muito crente que isso venha a acontecer. E estou aqui para apoiar.



E.R.: Vem a  Cabo Verde com boas notícias de Bissau?

J.D.: Quem me dera ter comigo a minha banda. Compreendo que o dinheiro não esteja tão abundante entre os produtores culturais e os artistas tenham que ir arranjado para satisfazer o público. Creio, contudo, estar a altura dos músicos cabo-verdianos que me vão acompanhar. São também profissionais e são bons, tocam bem e vão, certamente, corresponder às minhas expectativas.



*Jornalista
ENTREVISTA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE







ADEUS, MANUEL D' NOVAS



Adeus, Manuel de Novas



(Santo Antão, 1938 – Mindelo, 2009)

 Elisângelo Ramos*
 
 
 
 
A notícia chega pela manhã desta segunda-feira, 28,deste maldito Setembro de 2009. Desgraçadamente este 2009, pior este Setembro, vai ser recordado como o mais aterrorizador mês deste ano. Por cá arrasou diques, sacudiu árvores e leva - agora - raízes e folhas da nossa Cultura.






Nesta segunda-feira: mal nossos olhos se tinham aberto para mais uma jornada, mal tínhamos acordado para a realidade de a porta da casa não mais bater de frente com Mário Fonseca somos, friamente, desapropriados dum contemporâneo do poeta que fizemos questão de homenagear, horas antes, no Magazine Cultural da Rádio de Cabo Verde. Assim como a dor é para a família sê-lo-á, também, para o Jornalista Cultural – habituado a calcorrear os mesmos caminhos, partilhando não raras vezes as mesmas mesas e os mesmos sentires.


Decididamente: abstenho-me de 2009!!! Levou-me amigos, tirou-nos riqueza, remeteu-nos ao silêncio, sepultou-nos as Vozes. Malvadamente apropria-se de nós. Orlando Lima, o Jornalista da RCV – Mindelo, interrogou-se ao dar a notícia: morreu Manuel de Novas?!?? Compreendi a voz do apresentador, e senti seu coração. Afinal, fomos todos meninos de Manel.


O poeta, compositor e intérprete Manuel de Novas pousara a pena. De seguida o comentário quase que a ilibar Setembro: “morre o homem, fica a obra”. Muito pouco, quase nada para a Obra que era Manuel de Novas. Sim, parte obreiro duma biografia que só pode ombrear com as montanhas que o viram parido. As mesmas montanhas que trocou pela imensidão do mar, a cata de ouro para o tornar diamante desde o feito Bana à jovem Solange Cesarovna.


Entrevistamos Manuel de Novas pela primeira vez em 1993. Era daquelas fontes que qualquer principiante de Rádio queria ter como entrevistado. Era como que o crivo de qualidade em nosso trabalhado, ainda prenhe de amadorismo.

Com a autenticidade e autoridade das palavras do poeta da intervenção social e política julgávamos, na inocência juvenil, estar a altura dos profissionais. E cantava a vida quando lhe era pedido que a contasse. Em cada resposta havia uma composição ilustrativa.


Disse-nos ter sido em 1957 que compôs a sua primeira morna, pinote na vapor. A bordo do navio Novas d’Alegria ganha o nominho Manuel de Novas. Na alegria do navio compôs serpentinha, a primeira coladeira.


Neste 28 de Setembro de 2009 – a dois dias de se celebrar o “Dia Mundial da Musica” (01 de Outubro), dizia, num breve olhar pelo bocadetubarão.blogspot.com lia o filho de Manuel de Novas, Neu Lopes:

“O que me move neste momento é a iniciativa da Diva Barros em cantar Manuel d’Nova (…). Não é fácil cantar Manuel d’Novas e Diva o sabe bem. Já o Bana e a Cesária Évora cometeram alguns pequenos erros, principalmente no que diz respeito às letras das músicas de Novas. Ildo Lobo terá sido o intérprete que mais se aproximou da verdadeira essência da música de Manuel d’Novas. É que quem canta a música desse compositor tem que conhecer não só a música e a letra, mas também a história e o contexto que a envolve”.


Pois é: pela sua voz e guitarra Manuel de Novas passava aos cantores e/ou intérpretes vocais o sentimento que queria transmitir nas suas composições. Recordo de o ter dito Ildo Lobo, de ter sido assim com Bana, Cesária Évora, e de recentemente terem vivido esta experiência Mayra Andrade, Diva Barros e Solange Cesarovna. Da primeira morna (Pinote na Vapor), da primeira Coladeira (Serpentinha) – composta em 1957 – à Travessa de Peixeira – o êxito mais recente, Manuel de Novas era o pioneiro na execução das suas músicas. Fazia-no a presença de quem mais tarde tinha a sorte de as gravar.


Mas ele era assim: mesmo após uma entrevista era difícil sair da casa do músico. Tinha sempre algo a acrescentar. Mesmo com os microfones fechados. Tinha um quê de procura de perfeccionismo em tudo. Até na motivação do riso – procurava a melhor piada. Vivi Manuel de Novas. Dele guardo um pendor estético que sobreviveu a várias gerações, dele recordo diariamente o comprometimento com o pensar critico. Manuel de Novas era um critico – um leitor do País e do Mundo – uma fera da escrita em crioulo, variante de São Vicente – mas e sobretudo um cabo-verdiano que nunca se calou perante a sociedade: denunciou a arrogância, cantou a alegria e esconjurou o abuso do poder – suas letras di-lo. Manuel de Novas é um crioulo cuja biografia é um pedaço de cada crioulo cabo-verdiano. O poeta nunca morre - porque obreiro da sua eternidade.

Como escreve César Schofiel em bianda.blogspot.com  "quando as árvores caem é tempo de minutos de silêncio”.

*Jornalista


CRÓNICA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE


Jornalismo Cultural e Propaganda


Millôr Fernandes tem uma frase célebre: "Jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados". Traduzindo e atualizando a implacável formulação, podemos dizer que, se o jornalismo não for crítico, ele será apologético ou propagandístico. No caso do jornalismo dito cultural, a fronteira entre jornalismo e publicidade é muitas vezes nebulosa.




Obrigados a acompanhar de perto as novidades da produção cultural (livros, filmes, peças de teatro, discos, shows, exposições) e orientar o leitor nessa selva de produtos, ofertas e apelos, os jornalistas da área freqüentemente se vêem numa situação vulnerável às pressões de divulgadores e assessores de imprensa - quando não dos próprios artistas e produtores culturais.




Inúmeros são os fatores que contribuem para limitar a autonomia crítica do jornalista cultural. Vejamos rapidamente alguns dos mais graves e freqüentes.







1.A obsessão pelo "furo"




A idéia de "dar a notícia primeiro", que faz sentido (embora nem sempre) para outros setores do jornal - política, economia, cidades -, pode ser nefasta para a cobertura do que ocorre na área da cultura.




Contaminado pela síndrome do furo, o jornalista muitas vezes sacrifica a qualidade da cobertura e a idoneidade de seu julgamento para dar primeiro ou sozinho uma matéria.




Ouve dizer, por exemplo, que será publicado no Brasil o romance de um importante escritor norte-americano. Antes de ter tempo de ler o livro (e muito menos de pensar sobre ele), consegue às pressas o telefone do autor e faz com ele uma entrevista afoita e superficial. Pronto: deu o furo, que vai talvez pesar positivamente na sua avaliação profissional. Pouco importa que tenha feito um serviço porco e de baixa qualidade.

Mas o prejuízo não termina aí. O jornal concorrente, tendo tomado o furo, não quer acusar o golpe e para isso prefere ignorar o livro em questão, pretendendo que ele não tenha importância. Resultado: saem perdendo os leitores de ambos os veículos: o que deu o furo e o que o tomou.

2.A chantagem das assessorias




Como decorrência da obsessão pelo furo, o jornalista da área cultural fica à mercê do poder de pressão dos divulgadores e assessores de imprensa. Uma situação muito comum é a do assessor que negocia a informação ou o acesso a determinado artista em troca de matérias de destaque na imprensa. A barganha é mais ou menos assim: "Se você der capa para o disco do Fulano eu te arrumo uma exclusiva". O jornalista automaticamente passa a crer que uma entrevista exclusiva do Fulano é a coisa mais importante do mundo, e convence seu editor a dar uma capa para ele. Aquilo que talvez não fosse importante passa a sê-lo.


Há uma modalidade mais grave de pressão das divulgadoras, que é o oferecimento de passagens e hospedagens para a realização de determinadas coberturas. Situação típica: a banda de rock "x" vem ao Brasil, como parte de uma turnê internacional. A gravadora da banda oferece aos jornais passagens para que seus jornalistas possam cobrir o show no local da etapa anterior da turnê (Buenos Aires, México, Lisboa, pouco importa). Como regra geral, nenhum editor de caderno cultural questiona a importância do evento. Manda um jornalista (quando não vai ele próprio) para a cobertura e dá na capa do caderno.



Está claro que, nos dois casos citados acima, o que está comprometido é não apenas o julgamento do crítico com relação a determinado produto cultural, mas a própria autonomia do jornal na hierarquização da importância dos eventos. O jornal se torna uma linha auxiliar da propaganda e, em última análise, um mero reforçador do mercado.




3. Promiscuidade entre jornalistas e produtores culturais Mais difícil de definir e de mensurar, mas igualmente perniciosa, é a ambigüidade das relações entre jornalistas e produtores e agentes culturais. Em países mais civilizados, as funções de repórter e crítico são desempenhadas por indivíduos diferentes, pelo menos em cada circunstância. Ou seja, se um jornalista entrevista o diretor de um filme, quem faz a crítica deste é um outro jornalista. Aqui isso não acontece. Freqüentemente o repórter-crítico vê-se na situação delicada de entrevistar, com toda a cordialidade, determinado cineasta, e em seguida fazer a crítica de seu filme. Não há quem fique completamente imune à cordialidade ou ao charme de seu entrevistado na hora de comentar seu trabalho. O pior é quando ocorre o contrário: depois de desancar o filme, o jornalista tenta entrevistar seu diretor. Quando este concede a entrevista (o que nem sempre ocorre), a conversa geralmente acaba truncada pela hostilidade e pela desconfiança mútua.




 Para que o jornalismo cultural conquiste maior autonomia e credibilidade, distanciando-se da mera propaganda, é necessário que todos os setores envolvidos (jornais, assessorias, produtores culturais) adquiram uma mentalidade mais profissional e menos predatória. Cabe aos jornalistas, entretanto, tomar a iniciativa no sentido de definir a sua seara e não permitir que seja invadida por estranhos.




José Geraldo Couto, jornalista











Quatro perguntas para Olavo de Carvalho sobre jornalismo cultural



Entrevista realizada via e-mail por Talita Nóbrega, Kátia Portugal e Karla Szabados, alunas da Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro.






O que o sr. entende por Jornalismo Cultural?



Olavo: O jornalismo cultural é, ao mesmo tempo, um reflexo jornalístico da criação cultural e ele mesmo um tipo de criação cultural. Por definição, e aliás como qualquer outro tipo de jornalismo, ele tem de atender a duas ordens de exigências, simultâneas e ambas igualmente legítimas: as exigências da produção jornalística (prazos, normas de redação, etc.) e as exigências do seu assunto (no caso, a cultura em geral).


Mas é evidente que aquelas devem ser postas a serviço destas, e não ao contrário. Uma analogia tornará isso mais claro: o jornalismo médico é jornalismo, isto é, tem de atender às imposições da técnica industrial jornalística, mas por outro lado seria absurdo que alterasse o conteúdo da ciência médica para adaptá-la a essas imposições: o que tem de ser amoldado à técnica jornalística é a difusão da medicina, e não a medicina mesma. Caso contrário, o jornalismo médico seria uma espécie de cópia inferior da medicina - uma falsa medicina amoldada ao gosto jornalístico.


Ora, o que acontece nos nossos suplementos culturais é que, em vez de amoldar-se às exigências mais altas da cultura, eles procuram espremê-las no padrão jornalístico de cada publicação, isto é, nos critérios de interesse vigentes no noticiário geral.


Assim, por exemplo, entre um livro excelente sobre assunto alheio ao noticiário geral e um livro ruim sobre assunto de interesse jornalístico, este último é que é valorizado. Com isto, o jornalismo cultural torna-se apenas "jornalismo geral de assunto cultural", perdendo o que é específico do jornalismo cultural.


O específico, em cada área de jornalismo, reside precisamente em incorporar critérios que, em si, não são jornalísticos, mas são próprios do assunto como tal. Uma página de turfe, por exemplo, não privilegiará um jóquei por ser um tipo bonitão ou por ter matado a mãe (destaques que seriam legítimos no noticiário geral), mas por ter se desempenhado bem segundo critérios estritamente turfísticos. Isto é tão óbvio que nem deveria precisar ser explicado, mas o nosso jornalismo está tão doente que tem dificuldade em entender essas coisas.


Concorda com a idéia de que o Jornalismo Cultural tornou-se uma instituição? Por quê?


Durante os anos da ditadura, a imprensa, paradoxalmente, melhorou muito, ao tornar-se o centro dos grandes debates nacionais, chegando a superar, em certos pontos, o debate universitário. O prestígio cultural de alguns jornais e revistas subiu às nuvens. Os atuais suplementos culturais são o efeito materializado desse prestígio, são prestígio institucionalizado. Infelizmente, a força que os constituiu desde dentro já se extinguiu, e eles são apenas uma cópia de si mesmos.


Como são realizados os trabalhos numa editoria cultural?


Isso mudou muito. Antigamente, quem escrevia para os suplementos culturais eram as pessoas de real valor nas diferentes áreas da criação cultural. Vale a pena vocês darem uma espiada nos antigos suplementos do Estadão, do JB, de O Jornal, etc.


Eram uma coisa assombrosa. A partir do momento em que os critérios jornalísticos gerais começaram a predominar sobre as exigências específicas de cada área da cultura, julgou-se que qualquer repórter deveria ser capaz de fazer matérias culturais - o que é um critério absurdo, que não se ousa adotar, por exemplo, no jornalismo esportivo, onde ainda se respeita o conhecimento especializado. No antigo jornalismo cultural, não havia pauta, exceto para uma ou duas matérias: para o resto, formava-se um grande corpo de colaboradores especializados, cada qual capaz de acompanhar as novidades no seu próprio setor, e respeitava-se o material que enviassem.


No estilo atual, os editores de suplementos (em geral eles próprios gente de formação apenas jornalística e sem nenhum mérito especial em literatura ou ciências, por exemplo) se tornaram tiranetes e a pauta se tornou uma régua destinada a tudo nivelar pela altura da cabeça deles.


Para piorar, adotou-se nas páginas culturais a medida padrão das matérias do noticiário geral, sempre curtinhas porque se destinam a um público que supostamente odeia ler. Hoje em dias os ensaios brilhantes de Otto Maria Carpeaux ou Álvaro Lins seriam recusados sob a alegação de falta de espaço (tanto mais absurda e demagógica quanto mais os jornais cresceram em número de páginas desde a década de 50).


E o mais deprimente de tudo é que esses editores, quanto menos se exige deles em preparo cultural, mais autoridade adquirem: eles têm hoje até mesmo o direito de meter a caneta no texto alheio, como se um escritor profissional fosse um foquinha necessitado da sábia assistência de um copy desk. Os suplementos culturais de hoje assinalam, enfim, uma usurpação da cultura pela classe jornalística - gente tão prepotente quanto a casta militar que nos governou por vinte anos.


Quais os critérios usados nas críticas culturais?


É difícil generalizar, mas acho que a importância jornalística, o apelo político imediato e as preferências de grupos reivindicantes acabaram por predominar sobre o critério do interesse profundo, que subentende uma visão histórica muito mais abrangente do que, em geral, a dos resenhistas. O que acaba vigorando é uma concepção redutivista, onde só tem importância nas páginas culturais aquilo que poderia ser transferido tal e qual para as páginas de noticiário geral, comportamento, diversões, etc. Aquilo que tenha importância somente intelectual, filosófica ou científica, sem se traduzir em conseqüências políticas ou comportamentais imediatas, é como se não existisse.

 

SANTA MARIA ENCERRADO


Gorou o Festival de Música, este fim-de-semana, na Praia de Santa Maria, no Sal. Consequência da chuva que Sábado e Domingo bateu sobre o País. A suspensão do certame põe, entretanto, a nu as fragilidades da produção cultural no País.





Apupada pelos festeiros - desiludidos - a Organização - também triste - pediu desculpas e deu vivas a chuva.


A queda do Festival deveu-se a necessidade de garantir a segurança – de pessoas e bens. Por esta razão se procurou justificar a suspensão do evento. Uma justificação, diga-se, subjectiva. A única culpada pelo episódio seria a chuva que felizmente do alto do céu não tinha acesso ao microfone para se defender.


Os factos: após se ter reunida com artistas, técnicos de som, palco e iluminação a Organização decidiu pela suspensão do certame. A comunicação da decisão ao público no areal de Santa Maria, para quem ouvia a RCV, era algo indesejado para Jorge Figueiredo. Para um político é sempre difícil ser portador de más notícias.


A seu aparente favor tinha a chuva. A Empresa responsável pela sonorização dos espectáculos contava já alguns equipamentos danificados e apontava outros em estado de observação.


Embora seja legitimo julgar que esses equipamentos devam estar cobertos por algum seguro é de se compreender as razões que levaram o responsável pelo sistema de som a optar pelo seguro. Tanto mais que recordou: água e electricidade nunca fizeram casamento. Nada podia ser feito aquela hora – tudo era para ser feito antes, muito antes. E é aqui que as justificações para tanto investimento sem retorno (antes pelo contrário Santa Maria terá que reconquistar a credibilidade perdida) não colhem do ponto de vista da produção cultural.


O ocorrido vem abrir – caso haja gente aberta a fazê-lo – dizíamos, vem lançar o debate sobre em que condições logísticas são realizados os festivais de música em Cabo Verde.


É sabido - é tradição: festivais de música no País quanto mais sobre a boca do mar – melhor, e todos os festivais por cá realizados em época das chuvas – têm sido autênticos desafios a força da natureza e da resistência humana, cientifica e tecnológica.


O programador e planeador de qualquer evento deve ter sempre como primeira abordagem de trabalho uma equação transversal que não se resume ao espectáculo em si mas que concorrem para o sucesso ou desastre do mesmo.


Os poderes instituídos sempre podem dizer que em Cabo Verde inexistem espaços para eventos semelhantes. Real e tristemente não existem. Apontar no País um espaço cultural que garanta, pelo menos, a resposta às múltiplas exigências; de segurança, acústica, alimentação, saneamento, protecção ambiental e mesmo de transporte.

Todas as instituições que são chamadas – as vezes tardiamente – na realização deste ou daquele festival – são quase sempre contactadas em cima dos joelhos. Um trabalho que face a ausência de espaços paridos para esse tipo de evento acaba por ser defeituoso para todos.


O trabalho de improviso e/ou as pressas impera, em detrimento da programação e do planeamento.


Daí que os prejuízos económicos e financeiros resultantes do episódio deste fim-de-semana na Ilha do Sal sejam assacados aos promotores do evento. Não se pode culpar a natureza pela ausência de um acto humano. A atitude e decisão do planeamento, calendarização, logística e programação do Festival foram obra humana. O Homem erra. Mas convenhamos que os prejuízos poderiam ser evitados caso as condições logísticas fossem encaradas como rubricas fundamentais no desenho e na orçamentação do Festival.


É que nem sempre - e desta vez ficou provado – nem sempre é o artista o dono do espectáculo. O planeamento combinando a natureza e a criação humana bem poderia ser uma resposta eficaz as eventualidades climatéricas.


Mais: os acontecimentos de Santa Maria interpelam os poderes políticos para a necessidade de se dotar o País de infra-estruturas culturais para a realização dos Festivais de Música; combinando os interesses financeiros, ambientais e culturais. Em resumo: a tão propalada indústria cultural não se compadece com uma agenda de adiamentos sucessivos.

Nunca se saberá quanto o País perde com a suspensão do Festival, assim como nunca há de se saber porque motivo muitos apuparam a Organização do Festival que mesmo não tendo total responsabilidade pelo facto não deixa de ser a principal visada.


Cabo Verde tem excelentes produtores e agentes culturais capazes de assegurar os caprichos do céu. Portanto vir dizer que a chuva estragou tudo é desculpa que não colhe, por ser o Festival de Santa Maria um evento de teor profissional e longe do amadorismo de outros tempos. O trabalho de casa começa exactamente na proposta de orçamento municipal e na aplicação da política cultural autárquica, e do Governo que sabe também da sua quota-parte de responsabilidade; não fosse a segurança em toda a sua plenitude, também, uma função do Estado.


Os Festivais de Música em Cabo Verde são – hoje – um elemento de promoção cultural que ultrapassa de longe os limites do entretenimento e de lazer. Mais do que dar música ao vivo nas praias de Cabo Verde são provadamente uma importante fonte de receita ao bolso público e de milhares de cidadãos; de muitas famílias que apenas vivem desse expediente. Depois de meses de trabalho e milhares de contos investidos o Festival de Santa Maria morreu na Praia. Resta saber se o contribuinte será, uma vez mais, chamado a pagar o prejuízo.

TERRA ACTIVA



JORNALISMO CULTURAL









“O Jornalismo Cultural tem, hoje, que contribuir para a qualidade de vida. O Jornalismo Cultural tem que responder sobre as aplicações legislativas e suas implicações no desenvolvimento do diálogo entre culturas. Promover as diferenças e, sem antes julgar, trazer ao público o que nos torna ricos culturalmente; exactamente as diferenças.






   Jornalistas Culturais (Luanda'09)

Por Pedro Santa Maria*

Temos que trabalhar para a autonomia cultural dos cidadãos, promover a cidadania democrática, questionar a economia na cultura e a economia da cultura. Somos membros das sociedades em que vivemos.


Que tal questionarmos as politicas culturais e a promoção das identidades nacionais! Neste tempo de capitalismo selvagem sugiro-vos uma agenda cultural que vá para lá da mera cobertura das artes e do espectáculo.



Proponho aos Jornalistas especializados em assuntos culturais que trabalham para que a voz dos cidadãos influenciem as decisões dos poderes instituídos. A livre circulação de pessoas e bens só será conseguida caso possamos promover, também, a livre circulação de ideias, a coesão social, o equilíbrio nacional e regional”.

*Jornalista (Angola)

INVESTIGAÇÃO


      Fernando Quejas



O novo livro do Jornalista e Investigador, Alveno Figueiredo e Silva é lançado, este mês, na Ilha do Sal, durante as festividades do município.




Na obra “Reis Crioulos do Samba, Fado e Morna dos anos 30”, o autor percorre a carreira de três grandes nomes da música cabo-verdiana: Antoninho Lobo, Fernando Queijas, e Tchufe, que alegravam as noites cabo-verdianas com serenatas ao tom da morna, samba e fado na década de 30 do século passado. 


O livro retrata testemunhos de cabo-verdianos – de várias gerações - que conviveram com esses cantores tornando assim mais fidedigno o relato dos factos, pese embora tenha tido alguma dificuldade durante a investigação, por ausência abundante de fontes.





O livro é complementado por um CD feito de recolhas ocasionais das vozes genuínas de Antoninho Lobo, Tchufe, e Fernando Queijas.Em jeito ainda de enriquecimento, o livro complementa também as influências externas na musica cabo-verdiana dos anos 30 do século XX, nomeadamente, pelo fado e o samba, em conexão com a morna.





Alveno Figueiredo e Silva prepara também a edição de um segundo volume da obra, uma colecção de músicas feitas por cabo-verdianos a partir de recolhas de sambas, modinhas e fados.


O primeiro livro do autor foi um ensaio, intitulado, “Aspectos político-sociais da música de Cabo Verde do século XX”, tendo sido lançado em cinco línguas.

LIVROS & LEITURAS


O Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro está a apostar na promoção do livro e da leitura junto das comunidades cabo-verdianas no estrangeiro. Para tal, o I-B-N-L começa por editar escritores nacionais em outras línguas que não apenas o português. A primeira obra em três idiomas é da poetisa Carlota de Barros.




Sonho Sonhado – é este o título do livro de poemas de Carlota de Barros a ser reeditado em Cabo-verdiano, Português e Inglês. A escritora, a residir em Portugal, quis que a reedição se fizesse em língua portuguesa. O editor foi mais ambicioso. Quer Joaquim Morais, levar a literatura cabo-verdiana à diáspora. Razão pela qual o Presidente do Instituto da Biblioteca Nacional e do livro aposta na edição trilingue.



Mas, a aproximação dos cabo-verdianos a viverem no exterior ao livro cabo-verdiano não se esgota na edição de obras em mais do que um idioma.



Há de passar, certamente, pelo intercâmbio, pelo aproveitamento das novas tecnologias e passará, ainda, pela participação em feiras internacionais. Nestes e noutros aspectos concorda Joaquim



O Instituto da Biblioteca Nacional dá forma e conteúdo a politica do Governo em matéria de livros e leitura, recaindo sobre ele o incentivo à edição privada. Têm sido bem sucedidas as iniciativas com editoras privadas que, todavia, ficam aquém das pretensões do I-B-N-L.



Tem sido sobretudo em Portugal, no Brasil e nos Estados Unidos da América que a literatura cabo-verdiana melhor se tem destacado. Se nestes países lusófonos é a língua e a história comum a facilitar a circulação e a critica ao livro cabo-verdiano - já nos Estados Unidos é a investigação e o ensino da língua cabo-verdiana – o Crioulo - que tem aberto portas à bibliografia nacional.


Quer, agora, o Instituto da Biblioteca Nacional dar um passo maior praticando aquilo a que o seu presidente titula de internacionalização da literatura cabo-verdiana.




“Quando eu morrer, não chorem. Alegrem-se!”_ “Eteke N’ difa ” – é este o título – em umbundo (a mais falada língua nacional em Angola) – do poema de Fridolim Kamolakamwé.

Natural da província de Benguela, Kamolakamwé, iniciou a carreira profissional como escritor na Igreja Católica do Huambo, região onde o poeta cresceu. Acutilante nas palavras, incisivo nos gestos! Fridolim é um dos notáveis da actual poesia angolana.






Angola é – como aliás todo o continente africano, um país de tradições orais que o Homem africano foi passando de geração a geração. Hoje, entretanto, são múltiplos os canais para a transmissão de valores culturais, como seja a poesia.


Em Angola, todavia, o fraco índice de leitura preocupa cientistas sociais e escritores. Fridolim Kamolakamwé manifesta-se, entretanto, satisfeito com as vendas dos seus livros “Bíblia Sangrada” e “Satânicas metáforas”, bem como da sua colectânea em CD, na qual reúne dez obras, num total de 130 poemas.


Entre estas obras figuram "Erros de Deus", "Ópera dos Mendigos", "Satânicas Metáforas", "Via-sacra", "Preâmbulos de Jericó", "Chinguilamentos da Alma", "Orgasmos Espirituais", "Na cama com a pátria" e"Simone l’amore a la luna".



Nas obras de Fridolim estão contidos poemas que narram o sofrimento das pessoas, a solidão e, principalmente, a necessidade de humanização da sociedade e resgate dos valores cívicos e morais.



" Disseram à minha mãe", "Praça de decadência", "Amore Mio" e "Manchetes do Jornal", são poemas que notabilizaram Fridolim Kamolakamwé na arte de declamar.O livro intitulado Bíblia Sangrada foi lançado em 2001. A escolha do título deve-se ao facto da obra descrever o eclodir da guerra civil de 1992 e o sofrimento do povo angolano. Faz um constante apelo a reflexão sobre os problemas mais candentes da sociedade angolana. A obra tem o prefácio do sociólogo, Valeriano Traz Mbongo Mbongo.


Nos arquivos da Agencia Angolana de Noticias, uma entrevista de Valeriano caracteriza o conteúdo de Bíblia Sangrada. Diz o sociólogo e, citamos: a obra (…) é o resultado de autêntico “esforço” a que o autor se submeteu para extroverter o seu pensamento com relação à vida das pessoas amarfanhadas.”



Para os poetas de Angola da geração do Fridolim as desigualdades sociais são um dos temas recorrentes, temas esses – nas palavras de Fridolim – ignorados pelas gerações anteriores.


A produção poética em Angola sempre conheceu momentos altos e baixos. Actualmente Angola atravessa um momento, em que poucas obras são publicadas, embora o número de poetas tenha vindo a aumentar.




É este o cenário em que Fridolim Kamolakamwé produz poesia, numa Angola em que a maioria dos poetas não tem acesso a qualquer incentivo ou apoio institucional.



Os livros de Fridolim esgotam-se rapidamente. Quem os compra é o povo. Quanto à crítica literária, esta é praticamente inexistente: A sua obra não é elogiada, sendo mesmo ignorada pelos representantes do poder.




Fridolim vai mais longe ainda: O poeta denuncia episódios de assaltos e tentativas de atentados contra a sua integridade física, após a edição dos seus dois livros, em 2001 e 2002. Episódios que não mudaram o curso da sua poesia.



O poeta prefere esquecer o passado e recusa-se a acusar quem quer que seja. Mas, convém recordar que por se sentirem inseguros e verem ameaçada a sua integridade física muitos angolanos já abandonaram o país.



Muitos dos que ficaram consideram Angola ainda um país dividido. Fridolim – o poeta do povo – representa a linha de pensamento de muitos outros poetas da sua geração, que consideram abismal o fosso entre quem tem tudo e quem há muito perdeu a dignidade humana.






É certo: A poesia pode não ser capaz de mudar a vida dos angolanos, submergidos na pobreza. Mas para Fridolim e outros poetas da sua geração a poesia é, sim, uma questão de sobrevivência. Nas palavras de Fridolim, poesia é uma espécie de terapia. Para ele próprio – para o poeta. Para os leitores angolanos os poemas poderão constituir – ou não – um alimento intelectual ou uma forma de atenuar o sofrimento.