JUSTINO DELGADO: "”Sou um músico de intervenção social e politica”


JUSTINO DELGADO, em Cabo Verde


"Sou um músico de intervenção social e politica"






Cabo Verde é um destino sempre aprazível para Justino Delgado. Do país sempre leva a paz. Infelizmente “não posso estar lá todos os dias”. Chega a Capital cabo-verdiana poucos dias antes do concerto de Sábado, 03 de Outubro, no Auditório Nacional Jorge Barbosa, a convite da Comunidade Guineense na Cidade da Praia. Lamenta não poder trazer consigo a banda que sempre o acompanha. Mas, aliviado: “os gajos de Cabo Verde são bons. Vou ser acompanhado por grandes músicos”, alegra-se.



Nesta entrevista ao terraactiva.blogspot.com, a partir de Bissau, o músico - que regressou a terra natal para participar da recente campanha para a eleição do novo Presidente da Republica da Guiné-Bissau – aponta os caminhos para o desenvolvimento das artes e cultura guineenses. Mas lá vai avisando: “a minha participação na campanha eleitoral é para o desenvolvimento do meu País”.


Por Elisângelo Ramos*




Elisângelo Ramos (E.R.): - Porque motivo se empenhou tanto na campanha às presidenciais na Guiné-Bissau?



Justino Delgado (J.D.): - A campanha eleitoral fez-me abster da carreira por longos dias. Fui um interveniente directo. Fui, diria, o principal interveniente cultural na campanha do candidato vencedor. Minha participação em qualquer campanha ajuda – sem vaidade – voltar qualquer resultado. Considero-me, sem dúvida, uma esperança de paz, para a Guiné-Bissau, África e para o Mundo. Quero ajudar meu povo a encontrar a paz tão necessária. Apoiei Malam Bacai Sanhá, e espero ver Guiné-Bissau a avançar. Todos sabem que sou por um mundo onde se possa respirar paz. Sou músico comprometido. Assumo plenamente a minha militância social.



E.R.: - Agora que a situação na Guiné-Bissau aparenta ser de normalidade democrática e paz social, como pensa retomar aos palcos e aos estúdios?



J.D.: Regresso em alta velocidade. Gravei já a maior parte das músicas do meu próximo álbum. Está a ser ultimado em Paris, França, aonde devo deslocar-me, em breve, para concluir o trabalho. Tenho estado a trabalhar em vários projectos. Depois do disco - que está quase pronto – minhas atenções centram-se numa colectânea dos meus vídeos. Afora isso estou, também, a fomentar um grupo de dança, composto por jovens que mais tarde farão parte da minha companhia de dança. Quero ter um corpo de bailarinos para me acompanhar. Referindo-se, ainda, a música tenho em carteira um disco acústico que estou a preparar para ser gravado em Dakar, Senegal. Tenho uma forte ligação com Senegal. Pretendo fazer a ponte entre França, Senegal e Guiné-Bissau. Meus projectos são sempre pensados neste triângulo. Outros mercados como Cabo Verde, os restantes países africanos de língua portuguesa assim como Portugal me dizem muito na programação e no destino do meu trabalho. Estou complementado pela cultura francófona e pela lusófona. Por este andar vê que meus caminhos são bastante diversos. É esta diversidade que procuro transmitir no meu pensar e na música que produzo.



E.R.: O nome de Justino Delgado inscreve-se, perfeitamente, no conceito de World Music. Como tem procurado aperfeiçoar esta música do mundo que diz ser um dos criadores?



J.D.: - A música não tem fronteiras. A minha depende da realidade em que me encontro e veja que estou no mundo. A minha é, pois, universal. Não tenho rótulos embora seja o meu País a minha principal fonte. Mais: conhecendo a História da Guiné-Bissau seria presunção dizer que minha música é deste ou daquele quadrante.



E.R.: Até que ponto esta sua fonte (Guiné-Bissau) é alimentada de outras fluentes musicais?



J.D.: Volto a dizer: a música é transfronteiriça. Depende da realidade de cada país e de como isso revela no nosso sangue e de como transportamo-lo para a nossa pele. Tenho grandes expectativas sempre que vou a Cabo Verde. Gosto muito e respeitam-me. Isso é prova de que a música dispensa passaportes.

E.R.: Então como explica a sua actividade em prol da valorização dos géneros tradicionais da Guiné-Bissau?



J.D.: A música é uma matéria só. Minha música, assim como a de outros músicos que partilham os acordes que persigo, é concebida numa perspectiva antropológica e cultural. Veja que em toda a minha criação bebo do que me foi legado. Nada mais natural que eu – agora – procure estudar esta herança e transmiti-la.

E.R.: Neste momento da carreira tem conseguido ter voz decisiva no seu projecto?



J.D.: Sou mentor do meu próprio projecto e ajudado por duas equipas de produção. Meu produtor é senegalês e trabalho com meus amigos de Bissau. Estamos muito próximos do Senegal e é uma experiência que me dá muita satisfação. As experiências francesa e senegalesa nos servem muito. Fazemos fronteira com o Senegal e a cultura Senegalesa acaba por desaguar em nós. Tenho vivido em França – onde tenho residência artística - e acabo de regressar de Portugal - onde sinto que se respira muito a música Africana vou a Cabo Verde. Por isso me sinto a vontade para cantar Justino Delgado.

E.R.: - E a na Guiné-Bissau pressentes que está a valer a pena a tua militância social e a tua intervenção politica?



Há paz. Mas Julgo que a Guiné-Bissau tem na Cultura um caminho para o seu levantamento económico e afirmação cultural. Falta, é certo, incentivos que hão de começar pelo apoio aos criadores. Em termos legislativos poder-se-á criar mecanismos de incentivo a produção. A música na Guiné-Bissau está ao nível dos restantes PALOP. Está de boa saúde e sentida em quase todo o mundo. O que falta é a sua condição de produto cultural e económico. É isto: falta tudo e temos a esperança de que doravante tudo comece a ser feito. Os músicos guineenses esperam que condições sejam criadas para que trabalhem na terra. Estou muito crente que isso venha a acontecer. E estou aqui para apoiar.



E.R.: Vem a  Cabo Verde com boas notícias de Bissau?

J.D.: Quem me dera ter comigo a minha banda. Compreendo que o dinheiro não esteja tão abundante entre os produtores culturais e os artistas tenham que ir arranjado para satisfazer o público. Creio, contudo, estar a altura dos músicos cabo-verdianos que me vão acompanhar. São também profissionais e são bons, tocam bem e vão, certamente, corresponder às minhas expectativas.



*Jornalista
ENTREVISTA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE







ADEUS, MANUEL D' NOVAS



Adeus, Manuel de Novas



(Santo Antão, 1938 – Mindelo, 2009)

 Elisângelo Ramos*
 
 
 
 
A notícia chega pela manhã desta segunda-feira, 28,deste maldito Setembro de 2009. Desgraçadamente este 2009, pior este Setembro, vai ser recordado como o mais aterrorizador mês deste ano. Por cá arrasou diques, sacudiu árvores e leva - agora - raízes e folhas da nossa Cultura.






Nesta segunda-feira: mal nossos olhos se tinham aberto para mais uma jornada, mal tínhamos acordado para a realidade de a porta da casa não mais bater de frente com Mário Fonseca somos, friamente, desapropriados dum contemporâneo do poeta que fizemos questão de homenagear, horas antes, no Magazine Cultural da Rádio de Cabo Verde. Assim como a dor é para a família sê-lo-á, também, para o Jornalista Cultural – habituado a calcorrear os mesmos caminhos, partilhando não raras vezes as mesmas mesas e os mesmos sentires.


Decididamente: abstenho-me de 2009!!! Levou-me amigos, tirou-nos riqueza, remeteu-nos ao silêncio, sepultou-nos as Vozes. Malvadamente apropria-se de nós. Orlando Lima, o Jornalista da RCV – Mindelo, interrogou-se ao dar a notícia: morreu Manuel de Novas?!?? Compreendi a voz do apresentador, e senti seu coração. Afinal, fomos todos meninos de Manel.


O poeta, compositor e intérprete Manuel de Novas pousara a pena. De seguida o comentário quase que a ilibar Setembro: “morre o homem, fica a obra”. Muito pouco, quase nada para a Obra que era Manuel de Novas. Sim, parte obreiro duma biografia que só pode ombrear com as montanhas que o viram parido. As mesmas montanhas que trocou pela imensidão do mar, a cata de ouro para o tornar diamante desde o feito Bana à jovem Solange Cesarovna.


Entrevistamos Manuel de Novas pela primeira vez em 1993. Era daquelas fontes que qualquer principiante de Rádio queria ter como entrevistado. Era como que o crivo de qualidade em nosso trabalhado, ainda prenhe de amadorismo.

Com a autenticidade e autoridade das palavras do poeta da intervenção social e política julgávamos, na inocência juvenil, estar a altura dos profissionais. E cantava a vida quando lhe era pedido que a contasse. Em cada resposta havia uma composição ilustrativa.


Disse-nos ter sido em 1957 que compôs a sua primeira morna, pinote na vapor. A bordo do navio Novas d’Alegria ganha o nominho Manuel de Novas. Na alegria do navio compôs serpentinha, a primeira coladeira.


Neste 28 de Setembro de 2009 – a dois dias de se celebrar o “Dia Mundial da Musica” (01 de Outubro), dizia, num breve olhar pelo bocadetubarão.blogspot.com lia o filho de Manuel de Novas, Neu Lopes:

“O que me move neste momento é a iniciativa da Diva Barros em cantar Manuel d’Nova (…). Não é fácil cantar Manuel d’Novas e Diva o sabe bem. Já o Bana e a Cesária Évora cometeram alguns pequenos erros, principalmente no que diz respeito às letras das músicas de Novas. Ildo Lobo terá sido o intérprete que mais se aproximou da verdadeira essência da música de Manuel d’Novas. É que quem canta a música desse compositor tem que conhecer não só a música e a letra, mas também a história e o contexto que a envolve”.


Pois é: pela sua voz e guitarra Manuel de Novas passava aos cantores e/ou intérpretes vocais o sentimento que queria transmitir nas suas composições. Recordo de o ter dito Ildo Lobo, de ter sido assim com Bana, Cesária Évora, e de recentemente terem vivido esta experiência Mayra Andrade, Diva Barros e Solange Cesarovna. Da primeira morna (Pinote na Vapor), da primeira Coladeira (Serpentinha) – composta em 1957 – à Travessa de Peixeira – o êxito mais recente, Manuel de Novas era o pioneiro na execução das suas músicas. Fazia-no a presença de quem mais tarde tinha a sorte de as gravar.


Mas ele era assim: mesmo após uma entrevista era difícil sair da casa do músico. Tinha sempre algo a acrescentar. Mesmo com os microfones fechados. Tinha um quê de procura de perfeccionismo em tudo. Até na motivação do riso – procurava a melhor piada. Vivi Manuel de Novas. Dele guardo um pendor estético que sobreviveu a várias gerações, dele recordo diariamente o comprometimento com o pensar critico. Manuel de Novas era um critico – um leitor do País e do Mundo – uma fera da escrita em crioulo, variante de São Vicente – mas e sobretudo um cabo-verdiano que nunca se calou perante a sociedade: denunciou a arrogância, cantou a alegria e esconjurou o abuso do poder – suas letras di-lo. Manuel de Novas é um crioulo cuja biografia é um pedaço de cada crioulo cabo-verdiano. O poeta nunca morre - porque obreiro da sua eternidade.

Como escreve César Schofiel em bianda.blogspot.com  "quando as árvores caem é tempo de minutos de silêncio”.

*Jornalista


CRÓNICA PRODUZIDA PELA RÁDIO DE CABO VERDE